domingo, 27 de junho de 2010

Ana morreu.

Escrito em 4 de Julho de 2002. Boa leitura.

Ana Morreu, por Luis Carlos Castro Palma.

A estradinha até parecia mais amarela embaixo daquela luz do sol das duas horas. Cósca, a cadela, puxava a rota com dificuldade. Magra e manquitola arfa o fôlego. Rastro de três patas na areia quente que coleia o cerrado bruto de natureza e feição. Exausta, resolve procurar sombra. Uma lobeira mais perto. Ajeitou-se ao estender o focinho. Barulhinho. Uma carreira de saúvas fazia oscilar retalhos de folhas. Para não morrer, dormiu. Morreu dormindo. Pura inanição.
Matilha de nove trelas de veadeiros treinados põe respeito a qualquer buzina. Rastro do veado achado, a cachorrada se estrela no ponto. Desatrelados, o cão-mestre Lapórte*, com uivos de chamar demônios, abriu a tribuzana da caçada. Tardinha, volta para a sede. Caçadores lembrando pormenores, cavalos ainda com branquejos da espuma do suor e cachorrada no trote mole do cansaço e do festim das duas presas que devoraram ainda mal mortas, caminhava na frente.
Princesa, cadela nova e espevitada ainda, saiu da estrada. Ganiu um alerta e sustentou. Juntaram latidos. Esporas nos cavalos. Uma paupérrima cadela morta. Caçoadas. Lapórte* saiu meio de lado, levantou o focinho, entesou a cauda e rumou mais para o fundo do cerrado. Instinto, seus lugares-tenentes Toronto e Lucrecia o seguiram. Agora era toque de achado. Acorreram todos.


Gervásio gostava da Ana e ela gostava do Tonico, do retireiro Toniel, do maquinista Dedinho e do primo Zé Antonho. Era ela não tão bonita de chamar atenção de longe. A cor do mel da jataí, os olhos pertencentes da novilha guzerá, cabelos negros apechinhados como caixa de marimbondos agredidos e uma faceirice natural da fêmea que percebe que é fêmea. De perto, chamava a atenção. Mais perto, tornava-se doce e acanhada. Trabalhadeira e honesta como nenhuma.
Amava todos eles porque simplesmente gostava de amar. Aos dezessete anos os corações têm forças de muitos corações e, às vezes, a cabeça sai procurando por todos eles.
O velório, na colônia, seguia tão triste que não havia choro. Ele estava embutido no safanão que deram ao roubar a vida. A morte parecia não ter ficado para valer. Ainda esperavam que ela pedisse desculpa pelo engano e fosse embora meio sem graça.
A senhora, servindo a xícara de café, disse para o delegado de polícia: "Luizinho (ele é filho dela), não concebo acreditar. Para ser advogado tive orgulho, mais porém para ser advogado delegado de polícia não concebo dormir. O teu pai te chamar para ver a Aninha estrompada. Ela, a coitadinha, ainda hoje cedo veio aqui trocar três ovos por uma ração de fermento - fungou e fingiu enxugar os olhos no avental – Mataram ela longe. Foi o estropício do Gervásio do caminhão da linha de leite. Nossa Senhora viu, prende ele".
Pai e filho sorriram. Estavam certíssimos. Sabiam que o assassino da Ana era eu, aquele que precisava escrever uma estória.

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