sábado, 26 de junho de 2010

Um Caipira de Opinião





Textos do Batata

Escrito em 16 de Abril de 2003

Conservamos a pontuação original do autor, Luis Carlos Castro Palma, o Batata.

Terezo, nasceu neto da Tereza, que era escrava. Alto, ombros largos e manoplas capazes de sustentar um garrote marrudo pelas ventas. Barbicha rala e branca, tipo “ mola de binga“. Vozeirão baixo e profundo, que se escutava de longe. Era de natureza calma, gestos comedidos e a entonação das suas frases tinha algo de eclesial. Reflexo de uma alma mística.
Na juventude, manteve a fama de ser ateu. Coisa rara na colônia de uma fazenda ali pelos anos cinqüenta. Não discutia religião. O seu argumento era irrespondível:“ Nem se Deus viesse conversar comigo, eu ia acreditar nele”. Por menos que pode parecer, não era um revoltado. Alguma coisa aconteceu, dentro ou fora dele, que abafou a sua fé. Isso lhe causava muitos aborrecimentos, por exemplo: não havia na colônia uma mulher, casada ou viúva, que não tentasse heroicamente converte-lo ao bom caminho. As moças tinham medo e algumas diziam que ele era “ primo do diabo “. A mãe chorava, o pai dizia: “ batizar, batizei . Nunca pedi pobrema“. A descrença calma do Terezo incomodava os outros e muitos não entendiam o "porque" do padre Geraldo trata-lo tão bem e até existir uma certa amizade entre os dois.
O rio descia a sua água com moleza. O sol da tarde esfregava cores incríveis. Absorto, Terezo assustou quando percebeu a presença de uma pessoa perto das costas. Virou rápido e deparou a figura de um velho, muito velho. A primeira impressão foi a de que o ancião era cego. Maltrapilho, tremulo ele parecia a mais frágil e solitária das gentes . A segunda surpresa do Terezo foi o tamanho do saco que ele carregava nas costas. Levantou-se, ficou de frente e saudou. Resposta em inesperada voz forte e firme. O chegado colocou o saco no chão e Terezo notou que era muito leve. O farfalhar, ouviu, que eram folhas. Relence, lembrou : ali , por aquelas bandas, aliás, mais para frente, no socavão da Serra do Papagaio, morava um ermitão que entendia a medicina antiga dos antigos . Preparava remédios com ervas e raises, e mais, além de dominar as rezas mais escondidas e bravas. Muitos diziam que era um doido. Só podia ser ele. Conversaram. Terezo esqueceu a vara de pescar e conversaram mais. Noite chegando, acenderam fogo, assaram peixe e conversaram mais. Terezo ia pernoitar na beira do rio para aproveitar o domingo. Passaram a noite conversando. Rio quente pelo sol e a conversa ainda mastigava o assunto deles. Um para cada lado. Despediram os corpos e foram embora.
Terezo creu. Não mudou , apenas mudou uma fé abafada na cabeça para reforçar uma calma , antiga , no coração. Creu em si mesmo porque o ancião lhe desejou, no encontro, uma “ bastardes “ com o amor manifesto no mesmo. Uma alma mística que procurava companheira.


Página Inicial

Um comentário:

  1. Jose Marcio Castro Alves disse...

    Na véspera do Natal de 2009, dia 24 de Dezembro, eu e meu primo Marco Antonio fizemos uma visita ao Batata, na Santa Casa de Ribeirão Preto. Prometi a ele que publicaria seus textos, o que lhe causou alegria. Quatro dias após, em 28 de Dezembro de 2009 ele morreria aos 69 anos. Promessa é dívida. Manteremos vivo o Blog do Batata com tudo o que ele mais gostava: Boa prosa e deixar a vida rolar.
    José Márcio Castro Alves.
    10 de janeiro de 2010 06:37
    Renato Castro Alves disse...

    Minha maior recordação do Batata é dos tempos de eu menino. Como era bom ouvir sua voz, sentir o seu amparo de padrinho.
    Depois fui crescendo e assistimos muitos filmes, ele sempre coçando o dedinho do pé, e que delícia era ir ao cinema e ouvir o "outro lado" da história que ele explicava como mestre! Bença, Padrinho!! te amo.
    18 de janeiro de 2010 14:43

    ResponderExcluir